quinta-feira, 10 de abril de 2014

Funk Ostentação

O funk da ostentação em São Paulo

Jovens MCs transformam o estilo criado no Rio de Janeiro num hino à exaltação da riqueza

RAFAEL DE PINO (TEXTO) E ROGÉRIO CASSEMIRO (FOTOS)
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SEM CULPA MC Danado  (à frente) e os MCs Pikeno, Dimenor  DR e Menor  (da esq. para a dir.) na Zona Leste  de São Paulo  (Foto: Rogério Cassemiro)
Vida é ter um Hyundai e uma Hornet/10 mil pra gastar, Rolex e Juliet, canta o paulista MC Danado no funk “Top do momento”. Para quem não entendeu, ele fala, na ordem, de um carro, uma moto, dinheiro, um relógio e um par de óculos – um refrão avaliado em R$ 400 mil. Na plateia do show na Zona Leste, região que concentra bairros populares de São Paulo, os versos são repetidos aos berros pelas quase 1.000 pessoas presentes, que pagaram ingressos a R$ 30. O público da sexta-feira é jovem, etnicamente diverso e poderia ser descrito em três palavras: “classe C emergente”. A cerveja custa R$ 5. A maioria bebe uísque e vodca misturados com energético. Custa mais caro. A música que eles cantam em coro não toca nas rádios, não está à venda em CD nem disponível para download na loja do iTunes. Sua única divulgação foi um clipe lançado há cinco meses no YouTube. Já soma 10 milhões de acessos. MC Danado tornou-se o mais novo astro de um estilo conhecido nos bailes e na internet como “funk de ostentação”. Depois do funk romântico, do consciente, do pornográfico e do proibidão, a ostentação é a primeira vertente do ritmo que nasceu fora do Rio de Janeiro. Ao falar de riqueza e curtição, os paulistanos assumiram a vanguarda do estilo criado no Rio com o nome de “funk carioca”.
O novo baile Funk (Foto: Rogério Cassemiro)
MC Danado é André Moura, 31 anos, nascido na Zona Leste. Sua apresentação é apenas o começo da maratona de shows que ele e outros astros do funk paulista enfrentam todos os fins de semana. São, em média, 50 shows por mês. A cada apresentação, Danado recebe entre R$ 5 mil e R$ 7 mil. Na adolescência, trabalhou como office boy numa sapataria e auxiliar de escritório numa empresa de contabilidade. Hoje, sua vida se aproxima das letras que canta. “Gosto da ostentação, gosto de ostentar”, afirma. Antes de sair de casa, escolhe um entre seus quatro carros, um deles de luxo. É sócio da produtora de festas Funk da Capital, que promove bailes na cidade. “Parte do que canto, eu tenho. Outra parte, desejo e vou conquistar com meu trabalho.”
Até o ano passado, o funk paulista praticamente se limitava aos funkeiros da Baixada Santista. A principal inspiração eram os cariocas MC Frank e Menor do Chapa, astros do proibidão, gênero que faz apologia das armas e do crime. Em junho de 2011, o MC paulistano Boy do Charme lançou no YouTube a canção “Mégane”, referência à marca de um carro. Imagina eu de Mégane (...) invadindo os bailes/Não vai ter pra ninguém, diz a letra. Os 3 milhões de acessos no YouTube chamaram a atenção de outros funkeiros de São Paulo, e a ostentação converteu-se em regra. “A gente cantava outros estilos de funk, mas todo mundo mudou”, diz Danado.
Os astros em palavras (Foto: reprodução)
Além dos carros de luxo, chamados pelos MCs de “naves”, é importante ostentar o “kit”, expressão que define os acessórios do vestuário: tênis, bermuda, camisa, anéis e colares, óculos escuros e boné. Roupas da Oakley e tênis da Nike ou da Adidas estão entre os mais citados nas letras. “O visual dos funkeiros sempre foi inspirado nas estrelas do rap americano, mas isso nunca foi tema das letras no funk carioca”, afirma o jornalista Sílvio Essinger, autor do livroBatidão, sobre a história do funk no Brasil. O exemplo máximo de sucesso com letras de ostentação é o rapper 50 Cent, astro do hip-hop americano. Esse estilo musical deu origem nos anos 1980 ao funk carioca. 50 Cent tem discos como Power of the dollar (O poder do dólar) e Get rich or die tryin’ (Fique rico ou morra tentando). “O sucesso do funk de ostentação em São Paulo casa com a tradição da cidade de escutar hip-hop americano”, diz Essinger.

Os artistas encontram justificativas para o êxito comercial do estilo em suas próprias histórias de vida. “Enxergo o mundo como meu público enxerga”, afirma o MC paulista Menor, da dupla Pikeno e Menor, também campeã de acessos no YouTube. “Nasci na comunidade, sei que lá ninguém quer cantar pobreza e miséria.” Clayton Rocha (Pikeno), de 22 anos, e Caique da Silva (Menor) são amigos de infância de uma região pobre da Vila Carrão, bairro da Zona Leste.
Começaram no funk ainda na escola e dizem que, no início, não tinham dinheiro nem para pagar a condução até o local dos primeiros shows – que faziam de graça. Hoje, consideram-se exemplos de sucesso para os fãs. “Sempre dizemos para ninguém se contentar com um ‘não’, lutar para ter as coisas, mas sempre do jeito certo, como a gente fez”, afirma Pikeno.


Por trás do sucesso de público nos shows e de acessos no YouTube, está uma infraestrutura comparável à de astros ascendentes em outros estilos populares, como o sertanejo universitário. “A gente quer mudar o funk, com seriedade e profissionalismo”, afirma Hugo Alencar, empresário das principais estrelas do funk paulista. Segundo Alencar, o último clipe da dupla Pikeno e Menor, ainda não lançado, custou R$ 25 mil e teve “qualidade de cinema”. Além de shows frequentes no Nordeste e em Minas Gerais e no Espírito Santo, ele afirma que levará o funk de ostentação para o Paraná e Santa Catarina. A próxima fronteira é o Rio de Janeiro, onde nasceu o funk. “Ainda não conseguimos entrar lá, mas os cariocas têm escutado bastante nosso som. Em outubro, quero inaugurar uma noite semanal fixa com funk paulista no Rio.”


O sucesso dos MCs Danado, Pikeno e Menor já é influência para uma nova geração de funkeiros. Daniel Almeida, o Dimenor DR, tem 17 anos e brincava de rimar desde o colégio. A brincadeira ficou séria. Na semana passada, concluiu a gravação de seu primeiro clipe, Cara ideal, e espera seguir os passos dos colegas funkeiros no YouTube. “Não tenho carro, não tenho moto, mas estou juntando meu dinheirinho”, diz. “Já trabalhei em lava-rápido e entreguei panfleto. Hoje, minha profissão é MC de funk.” 

MC Danado



MC Pikeno e MC Menor



MC Dimenor DR





Imagens: Gustavo Campoy e Renato Tanigawa

Clipes: 
MC Danado - Funk da capital - Maximo Produtora
MC Pikeno e MC Menor - Terrível - dirigido por Konrad Dantas 

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